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segunda-feira, 31 de julho de 2017

OS BRUTOS TAMBÉM MAMAM?

O abestado do pisca-alerta


Alguma coisa acontece no meu coração. É quase ódio, como diria o Paulo Bemerguy, meu mano. O “quase”, aqui, é a gaveta do arrependimento diante do pecado. O “ódio” é apenas uma permissão ao exagero, meu tempero. Tudo isso por causa do irritante trânsito em Belém. Dos intransigentes motoristas. Dos tresloucados recalcitrantes. Dos recalcados trafegantes. De alguns patetas em forma de gente.


É fértil o terreno do estresse no asfalto. Daria tábuas e tábuas de dez xingamentos. Mas quero apenas tratar de um personagem, uma só erva daninha. Meucalo. Euvouchamá-loassim: “OAbestadodoPisca-Alerta”. Antes, um flashback.

Em 1993, Joel Scumacher, um diretor de cinema que tem a cara do Gabeira misturada com a do Itamar Franco, com um olhar de Zilka Salaberry, fez uma obra-prima: “Um dia de fúria”. Eu já gostava dele, por causa de: “Os Garotos Perdidos”, com Jim Morrison emoldurado na caverna dos vampiros!

“Um dia de fúria” revela o drama de um cidadão à beira de um ataque de nervos. O momento da explosão. A bomba-agá da intolerância no paradoxo deste mundo repleto de soluções com mania de problema. Shumacher cutuca as feridas da sociedade fast-foda-se. É um filme violento. Sem adornos, embora tolinho no final. Tudo no filme, a trilha, os enquadramentos, a fotografia, o tríplice conflito, a opção pelo travelling, a escolha de Robert Duvall (a quem admiro) em contraponto ao Michael Douglas (de quem nem gosto), a opção por Los angeles, a caricatura da leseira americana, tudo foi desenhado como uma espiral concêntrica, que conduzisse a trama ao suicídio. O drama do avesso. A realidade na veia aberta da ficção. O ralo.

Sinto na pele, primeiro às 18h e depois às 22h, o encosto do William Foster, o cara vivido por Douglas, aquele que chuta o balde, enforca o pau da barraca e espanca a gota d’água ao se aborrecer nos percalços do trânsito de uma cidade civilizada, virando lobo, fera e monstro. Não vou virar cavalo do cão. Mas não sou imune à vontade. Quem nunca desejou matar, estrangular, esquartejar, bicudar um motorista barbeiro ou boçal? Pensar não machuca. Nesses horários de pico, em frente ao Cesupa da Alcindo Cacela, formam-se filas triplas. A Camila percebe minha irritação e recita o mantra:

- Paaaaai! Calma, paaaaaai...

Graças a Deus, eu sou obediente à filha. Mas a vontade, a vontade mesmo, e aqui eu abro meu coração vulnerável ao ódio, a vontade é virar Michael Douglas em “Dia de Fúria”. Em slow-motion, para ser cruel, despedaçando otários, dilacerando playboys, triturando energúmenos, fatiando filhinhos de papai e papaizinhos amamãezados, os seres que compõem um autêntico Abestado do Pisca-Alerta.

Que murmurem! Não importa que murmurem que sou ranzinza ou implicante. Mas veja: o Abestado do Pisca-Alerta é a sílaba tônica da parlemice, a flexão da rudeza, a boçalidade conjugada – o idiota em gênero, número e grau. O que me assusta é que ele se reproduz com a volúpia das baratas. Deixou de habitar apenas as portas de colégios e faculdades. Está em todo o canto, a praga, presença nojenta na rotina das cidades. É soberano, em Belém, e nos obriga à condição de súditos. Onde está Michael Douglas que não vê uma coisa dessas? O pisca-alerta só deve ser utilizado em situações de emergência. Não estou inventando: está no Código de Trânsito, artigo 251, parágrafo 1º. É lei, que se permite até exceções – não abusos. A exceção (o pisca-alerta com veículos em movimento, por exemplo) não foi feita para humilhar a regra. Mas tem uma moçada – os Abestados do Pisca-Alerta – cujo cérebro está no dedão do pé e a unha encravada na cabeça. Esses caras param no meio da rua, para jogar conversa fora, bocejar, comprar menta, mascar chiclete, fazer agá, seja na pacata Triunvirato ou na nervosa Conselheiro Furtado. Como se a rua fosse o quintal da casa deles, a garagem do raio que os parta, o esfíncter da mãe!

- Paaaaaai...

É impressionante. O pisca-alerta, para os abestados é o salvo-conduta da burrice, o passaporte da mediocridade, o carimbo da cretinice passada no cartório da insensatez. Pessoas nefastas, por que não são lançadas para além do horizonte, feitos tábuas no mar? Estacionar em fila dupla é uma grave infração de trânsito, com multa de 127 reais (não atualizei) e perda de cinco pontos na carteira. Com pisca-alerta ligado, é infração ao quadrado. Meu Deus! Onde está o Michael Douglas? Schwarzzenegger? IdiAmin Dadá? Incrível Hulk? Saroquinha!

O Abestado do Pisca-Alerta, pretenso dono das ruas, estaciona onde quer, atrapalha quem bem entende, é um revival do antropocêntrico. A empingem do trânsito, roendo a paciência alheia. Não tem noção de cidadania. É estúpido, grosseiro, intransigente, leso trouxa, canalha, babaca, pilantra, pacóvio, covarde, parvo, imbecil, pamonha. Filho da p...!

- Paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai!

Eu me pergunto qual o problema desses brutos. Não foram amamentados? Roeram caroço de pupunha? Devia haver, no bafômetro, um indicador de consumo de leite materno na infância. Seria proibida a carteira a quem não tenha mamado.

A Lei do Peito Livre!

Ou então, meus amigos, é melhor que se rasguem os códigos, não só o de trânsito. Imponha-se a barbárie. Elejamos Charles Bronson. Ou Duciomar, tanto faz...



Paulo Silber Gama Alves - Escritor e Jornalista

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